terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

CADERNO 2 - FOLHA DE LONDRINA

22/01/2010
Divina, humana, profana
Londrinense Edra Moraes explora universo feminino em 50 poemas reunidos em livro inédito


‘Escrevo para expressar meus sen ti­men tos, para falar do que es tou ven­do e vivendo. Sou mais expressiva do que escritora’
A literatura irlandesa, uma das mais prodigiosas do século 20, não é citada entre as referências de Edra Moraes quando lhe perguntam sobre os autores que influenciam sua escrita. Mas foi na terra de James Joyce (1882-1941), William Butler Yeats (1865-1939) e Samuel Beckett (1906-1989) que a londrinense intensificou sua produção de poemas retomando uma atividade iniciada ainda na época de estudante universitária.

''Deixei Londrina para morar em Curitiba, Joinville e São Paulo. Mas estar fora do País é diferente. A sensação de solidão é maior, tem a dificuldade da língua, a ausência dos amigos. Escrevia num processo de catarse, para amenizar a depressão'', explica ela, lembrando dos seis primeiros anos da última década em que morou em Belfast, capital da Irlanda do Norte.

Ao retornar ao Brasil, abriu um brechó e criou um blog (http://divinahumanaprofana.blogspot.com) para postar os versos. Estimulada por uma amiga (a jornalista e produtora cultural Denise Gentil), decidiu publicar um livro. ''Ela gostava do que eu escrevia e guardou minha agenda com os poemas de minha fase na UEL. Decidi resgatar aquilo e juntar com o que escrevi lá fora'', conta.

O livro recebeu o título de ''Da Divina, Da Humana, Da Profana'', num resumo dos temas abordados nos versos que variam entre ladainhas espirituais, anotações do dia-a-dia e evocações eróticas. ''Não tenho pretensões literárias. Escrevo para expressar meus sentimentos, para falar do que estou vendo e vivendo. Brinco que sou expressiva mais do que poeta ou escritora. Não faço um trabalho de pesquisa de linguagem, não sou cult, não tenho compromisso com nada. O que acontece é que tenho mais facilidade para me exprimir em forma de poema do que através da linguagem corriqueira, talvez porque eu tenha lido muito poesia'', afirma.

A lista de autores prediletos inclui Gregório de Matos, Vinícius de Moraes, Mário Quintana, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Ana Cristina César e a cubana Dulce Maria Loynaz (uma descoberta recente). Ela explica que seu livro está pronto há dois anos e não saiu da gaveta devido aos custos de produção: ''O problema não é só a edição, porque o lançamento de um livro envolve muitas etapas como a distribuição e o trabalho de divulgação. Não é só um cartão de visitas para dizer: eu tenho um livro''.

Para a autora, iniciativas literárias dificilmente atraem patrocinadores porque não seguem a lógica do espetáculo. ''Há investimento em cinema e peças de teatro, mas não para a literatura'', diz. ''No entanto, não haveria filmes nem montagens cênicas sem roteiristas e dramaturgos. A literatura é a mãe das artes, mas ela tem peculiaridades que não podem ser transformadas em show. Tanto o ato de escrever como o ato de ler são individuais. Não tem como transformar isso em espetáculo''.

Para publicar o volume, Edra recorreu ao Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Promic) mas o projeto não foi aprovado. A produtora cultural Christine Vianna propõe editá-lo numa caixa poética para presente junto com livros de outras duas autoras locais: Célia Musilli e Beatriz Bajo. A coletânea de Edra contém 50 poemas. Enquanto eles adormecem na gaveta, ela anuncia que uma nova fornada de textos inéditos já está nas mãos da amiga para avaliação.

Falo

do que é exato
do que não sobra nem falta.
Falo
do que é intenso
úmido de lava em brasa.
Falo
do que é físico
ombro, asa, e encaixe.
Falo
do que é preciso
ritmo, tempo e movimento.
Falo
do que é forte
plenitude, vazio e morte.


Nelson Sato
Reportagem Local